— Nossa, mas andamos
tanto assim? Lá da árvore do pica pau elas pareciam estar tão distantes… — falou
Dante limpando as mãos nas calças e se levantando, entusiasmado para,
finalmente, ver as tais sereias.
— Sim, de fato andamos
muito, rapaz. — respondeu Naomo estendendo a pequena mão em gentileza para
ajudar Valentina e Judite a se levantarem do chão. — É que as coisas aqui são
tão bonitas que vocês nem se deram conta do tempo passando. Quantos pequenos
animais falantes já encontramos pelo caminho? Você quase matou um pobre sapo
esmigalhado pelo sapato, lembra-se? Se não fosse ele gritar... Logo mais já
será noite; as sereias costumam cantar quando o sol começa a se pôr.
Conhecê-las será nossa última aventura do dia antes de irmos para minha casa,
pois mamãe já deve estar com as panelas no fogo! Vejam, eu vou na frente,
converso com elas e venho chamar vocês, senão elas se assustam. Esperem um
minuto.
O homenzinho de orelhas
pontudas e verdes saiu saltitando e atravessou um conjunto de árvores e altas
vegetações que estavam ali perto. Não demorou muito para que o canto cessasse,
mas as conversas não foram também levadas pelo vendo. O silêncio durou cerca de
dez minutos até que Naomo reaparecesse um tantinho ofegante por voltar
correndo.
— Elas estão esperando
por vocês!
Os três irmão seguiram
o goblin por entre a vegetação, ansiosos para verem as sereias. Quando chegaram
às margens do rio e avistaram duas delas sentadas numa pedra, Valentina deu um
grito e voltou correndo pelo caminho que haviam seguido. As sereias, ao
contrário do que esperavam ver, não eram bonitas. Não eram moças delicadas com
cauda de peixe como aparecem nos filmes infantis. Eram criaturas estranhas,
escamosas. Lembravam mais extraterrestres com caudas do que qualquer outra
coisa. Na verdade, uma bela fusão de peixe com extraterrestres.
Judite, também um tanto
espantada, foi atrás da irmã com medo de que a menina se perdesse. Dante também
havia assustado num primeiro momento, mas agora já estava empolgado e se
sentindo vitorioso — sempre dissera que, se sereias existissem, teriam uma
aparência semelhante a essa, e não aquela beleza magistral que as lendas
costumam narrar.
Ele foi se aproximando
cada vez mais. A pedra se localizava a um metro da margem do rio, e as sereias
que ali estavam se mantinham quietas, tímidas, apenas encarando o garoto.
Quando Valentina saiu gritando elas quase fugiram, mas Naomo pediu para que
ficassem.
— A criança apenas se
surpreendeu com vocês, minhas amigas. Peço para que esperem que ela se acalme;
ela ficará muito feliz em conhecê-las. Esse é o mais velho, Dante. Pode
conversar com elas, rapaz.
— O-oi… Vocês… Vocês
são exatamente como eu imaginava que fossem! — disse ele, com certa insegurança
na voz.
Elas continuaram em
silêncio, olhando para ele com uma expressão curiosa. Tombavam a cabeça de um
lado para o outro, analisando Dante com aqueles grandes olhos negros — a parte
que mais lembrava extraterrestres. O resto do rosto era mais humano; os lábios
bem marcados e o nariz pequeno e fino. A pele delas possuía um tom acinzentado,
parecendo de fato coberta por escamas. No topo da cabeça era possível perceber
uma leve saliência, o que fez Dante lembrar de uma barbatana. Não tão alta
quanto de tubarões e golfinhos, mas com certeza servia para ajudá-las na
movimentação sob as águas. As mãos eram perfeitas. Naquele tom acinzentado e
escamoso, com membranas visíveis entre os dedos, mas ainda assim eram mãos
delicadas e bem semelhantes às mãos humanas.
Quando Dante estava a
um passo das águas, as duas pularam da pedra e sumiram sem dizer uma palavra. O
rapaz olhou para Naomo, que apenas deu de ombros como quem dissesse “é, não deu
certo”. Os dois estavam quase sumindo entre a vegetação novamente quando
ouviram um barulho na água. Se viraram e uma das sereias estava de volta, com
uma concha grande e brilhante na mão, estendendo na direção de Dante.
— Ela quer lhe dar um
presente de boas vindas. — sussurrou Naomo. — Vá até lá calmamente, pegue da
mão dela e agradeça. Guarde com carinho.
E assim o rapaz fez. Se
aproximou com cautela, pegou a concha carinhosamente e agradeceu. A sereia
sorriu e acentiu, ainda sem dizer qualquer palavra. Menos de dois segundos
depois, começaram a surgir sereias de vários pontos daquelas águas. Ao menos
quinze delas apareceram.
Dante ficou
boquiaberto. Olhou para Naomo, que sorria e acenava para as criaturas que iam
correspondendo ao cumprimento.
— É… — disse o pequeno.
— Você conquistou a confiança delas. Agora aproveite e faça amizade!
— Peço desculpas por
termos assustado a garotinha. — disse, finalmente, a sereia que lhe entregara a
concha.
— Não… Sem problemas! —
respondeu Dante, fazendo um grande esforço para não gaguejar. — É que, não sei
se vocês sabem, mas no nosso mundo existem algumas histórias sobre sereias. E
nessas histórias elas são… diferentes.
A sereia com quem ele
conversava deu uma risadinha.
— Sim, nós sabemos. Na
verdade, se quisermos, nós podemos ter essa aparência que vocês julgam ser
bela. Faz parte da nossa magia. Mas preferimos manter a original, já que aqui
nas Terras de Grigorii não há motivos para usar esse feitiço. Apenas nossas
ancestrais costumavam encantar piratas maldosos com isso em defesa de nosso
povo.
— Jura? E vocês podem
me mostrar?
— Infelizmente não
podemos. Se você nos visse assim, seria hipnotizado. Mas podemos cantar!
Dito isso, uma nova
canção começou. Primeiro em uma voz, depois duas… Logo estavam cinco ou seis
delas cantando lindamente enquanto as outras nadavam e se acomodavam em cima
das pedras próximas à cachoeira.
Dante e Naomo estavam sentados
admirando o espetáculo quando Valentina e Judite reapareceram. As duas foram até
eles e se sentaram também. Valentina parecia ter se acalmado. Judite conversara
com ela, explicando possíveis razões científicas que faziam as sereias terem
aquela aparência, como por exemplo as membranas e a barbatana que facilitariam
seus mergulhos.
Os quatro permaneceram em silêncio
admirando o canto. Quando esse acabou, a sereia que havia conversado com Dante
chamou Valentina para perto da margem. A menina hesitou um pouco, mas agora
sabia que não havia motivos para temer.
Ela foi se aproximando timidamente
enquanto a sereia sorria para ela. Ao se encontrarem bem próximas, a criatura
aquática pegou a mão de Valentina e disse com uma voz doce e afinada:
— Bela menina, sei que se assustou com
nossa aparência. Contei a seu irmão que, se quisermos, podemos fingir aquela
beleza que você conhece das histórias que já ouviu. Mas isso não seria certo.
Aquela aparência atrai por hipnose; faz com que as pessoas se encantem por algo
irreal e causa destruição, especialmente a nós mesmas. Temos poder para fazer
isso, mas preferimos conquistar por nosso coração. Leve isso para sua vida,
minha pequena: nunca finja ser quem não é para agradar alguém. Se as pessoas
não gostarem de você por seu eu real, elas não merecem o seu amor. Cresça,
amadureça, aprenda com a vida… mas jamais perca sua essência. Jamais deixe de
ser fiel àquilo que você é e àquilo que deseja. Agora quer cantar com a gente?
Nenhum comentário:
Postar um comentário